Observatório da Imprensa - SP - NOTÍCIAS - 31/03/2009 - 14:26:07Diminuir Aumentar PDF
Imprimir Apesar de já estarmos cansados de assistir e ler manifestações indignadas com a impunidade no país, todas as vezes que – pedindo licença a Elio Gaspari – o "andar de cima" vira manchete nos cadernos de Política e Economia dos jornalões, acerca de malfeitos flagrados, como são tantos outros crimes praticados pela "choldra" – adstritos às páginas policiais –, somos surpreendidos com a indignação ao contrário. Profissionais da imprensa – donos de jornais com espaço na seção dos editoriais e colunistas de escol – lançam-se ferozmente contra decisões judiciais, sejam as que autorizam buscas e apreensões, além de prisões temporárias e/ou preventivas daqueles que são mais próximos ou iguais em seu universo, ou sentenças que os condenam.
Tal postura ficou mais constante desde que o atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) fez sua entrée na grande imprensa, chamando investigação policial de coisa de gangster e adjetivando a atuação do Ministério Público, polícia e Poder Judiciário como "conluio", além de ter proibido algemas para ricos.
(Há um programa na Rede Record, às 7h, no qual todos os dias é possível assistir a reportagens sobre ações policiais, quando pessoas comuns do povo são presas com algemas e seus rostos e nomes exibidos. Nunca soube de qualquer iniciativa por parte do atual presidente do STF e dos donos dos jornais contra esse tipo de jornalismo.)
A Operação Satiagraha – uso os nomes das operações, vez que me ajudam a reter a síntese dos fatos de que tratam, mesmo desagradando ao atual presidente do STF – foi o caso mais gritante de como se porta a grande imprensa num país em que a publicidade governamental, financiamentos do BNDES e certos benefícios fiscais ditam a linha editorial.
A sentença condenatória
No caso Daniel Dantas, muito possivelmente por ser personagem ligado ao governo anterior e ao atual, a campanha de desqualificação – desencadeada pelos jornalões – do delegado da Polícia Federal que acompanhava as investigações, e do juiz federal que decretou a prisão temporária e a preventiva do banqueiro, foi maciça e constante. Não importa o que seja apurado e demonstrado, o que tenha decidido a segunda instância, reconhecendo a regularidade do processo em curso, vez que sequer é noticiado. A decisão do Tribunal Regional Federal 3ª Região, pela regularidade da atuação de agentes da Abin nas investigações da Operação Satiagraha, como denunciado neste Observatório, passou em branco nas redações de jornais como a Folha de S.Paulo, que se ocupou em dar mais espaço às agressões verbais do atual presidente do STF em "sabatina" cuja utilidade para o leitor não se fez perceptível.
Outra operação policial também causou indignação no Parlamento, na Fiesp e em parte da imprensa: a Castelo de Areia, que trouxe outro caso das já antigas e sabidas relações das empreiteiras com a política partidária, pois partidos políticos, mesmo quando não estão no poder, podem ajudar...
No mesmo dia foi divulgada a prisão dos proprietários da Daslu – Operação Narciso – e outras pessoas envolvidas em práticas delituosas que renderam a acusação de formação de quadrilha, descaminho consumado por seis vezes, descaminho tentado por três vezes, falsidade ideológica por nove vezes, desta feita por força de sentença condenatória. Alguns dos delitos foram praticados em condições que aumentam significativamente a pena. Sem contar que no curso do processo cometeram os mesmos réus outros delitos da mesma natureza.
Regras para fixação da pena
Sobre os dois episódios – Operação Castelo de Areia a Operação Narciso –, Eliane Cantanhêde, em sua coluna de sábado (27/3) na Folha, alerta para os "tombos" da Polícia Federal. Talvez por ser leiga em direito – dou o benefício da dúvida –, a jornalista já está vaticinando que tudo acabará em pizza porque Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal, em primeiro grau, não sabem o que estão fazendo, ou só estariam desafiando os poderosos dos três poderes. Não parece saber a colunista que o direito que se aplica ao caso é o mesmo que se aplica nos casos de réus não famosos e/ou ricos.
Nas "Notas e Informações" da edição de domingo (28/3), sob o título "Pirotecnia Judicial", o editorialista do Estado de S.Paulo assim inicia o comentário: "Independentemente dos fatores objetivos que levaram proprietários e executivos da Daslu a serem condenados por importação fraudulenta, falsidade ideológica e formação de quadrilha..." Abstraindo-se do que consta dos autos, o articulista se arvora a condição de criticar a sentença, comparando a pena fixada na sentença comentada com a fixada no cometimento de um crime contra a vida, não se dando ao mínimo trabalho de pensar um pouco sobre as palavras iniciais de seu próprio texto, que se referia à condenação por vários crimes. Prendeu-se o comentarista ao crime de sonegação fiscal, tão somente. Ocorre que os demais crimes não se confundem com aquele e não são absorvidos pelo crime tributário. Assim, mesmo que venham os donos da Daslu a pagar todos os impostos sonegados, o que acredito bem difícil, extingue-se a punibilidade – só sonegador sem recursos pode ser condenado por sonegação – e os demais crimes permanecem. E a condenação se refere aos demais crimes.
O editorialista não sabe, ou não quis explicar ao leitor, como são calculadas as penas, o que bem poderia explicar o número final, 94 anos, que se refere à soma das penas fixadas para cada delito, de acordo com a atuação de cada réu para a sua realização. Assim é que um único crime de descaminho, que tenha se valido de transporte aéreo, pode redundar em pena de 4 a 8 anos. Considere-se, por outro lado, que a juíza federal sentenciante acolheu a denúncia do Ministério Público Federal, isto é, entendeu que restaram provados os fatos delituosos imputados aos réus, na acusação inicial. E tal conclusão se deu depois de todo o contraditório – no curso de quatro anos –, quando os réus puderam usar de todos os meios para desmontar as provas da acusação, sem contar o uso de todos os habeas corpus possíveis e imagináveis.
Ao final, seguindo regras para a fixação da pena, que considera as condições pessoais dos réus, as circunstâncias dos crimes, as conseqüências do crime sobre a sociedade, fixou a pena que entendeu cabível, fundamentando-a dentro de seu convencimento pessoal, baseada no que diz a lei e a jurisprudência sobre a matéria debatida. E tudo isso foi exposto ao longo de cerca de 500 folhas.
Máximo tempo de prisão
Essa sentença foi considerada pirotecnia judicial "independentemente" dos fatos retratados no processo.
Na edição da Folha de S.Paulo de domingo (29/3), no editorial "Atrás das grades", afirma seu redator que os magistrados abusam da decretação da prisão preventiva, pois esta seria contra a lei e a orientação dos tribunais superiores. Parece que não sabe o editorialista, ou não quer saber, do que dispõe o artigo 312 do Código de Processo Penal. Dispõe esse artigo sobre os requisitos para a aplicação da prisão cautelar, sendo o principal o risco à aplicação da lei penal, mormente quando já há uma sentença condenatória e for crime que cause forte impacto sobre a ordem jurídica, além da social e econômica. De minha experiência profissional, e são quase 30 anos, a prisão em tais circunstâncias é mais do que comum. É claro que não o é quando os submetidos a ela são os do andar de cima...
Ademais, parece crer o editorialista que os juízes de primeira instância devam obediência cega às instâncias superiores. É do sistema jurídico a possibilidade de revisão das decisões, sempre na busca de maior segurança na adequação do julgado, sem dar a certeza que a última revisão seja a correta. Apenas é a última, pois os conflitos precisam ter fim. Como já admitiu o atual presidente do STF, essa é a instância onde se erra por último.
Nesse editorial e nos demais jornais não se viu a menor boa vontade em bem informar o leitor. Muito embora a somatória das penas perfaça 94 anos, o sistema penal brasileiro não contempla a pena de prisão perpétua, sendo que o máximo de tempo de prisão possível é de 30 anos. Também ninguém se dispôs a esclarecer ao leitor que há, no sistema jurídico nacional, muitos benefícios que permitem que os condenados sejam colocados em liberdade após o cumprimento de parte reduzida das penas fixadas.
Substitutivos da perda de liberdade
As matérias veiculadas também não se preocuparam em trazer informações acerca das previsões legais, bem como orientação da doutrina e jurisprudência sobre a prisão preventiva, quando se está diante de organização criminosa, versada na lei nº 9.034/95, e na Convenção de Palermo, que já é lei interna desde 2004.
Por mais que articulistas, donos de jornais, amigos, freqüentadores, negociadores da Daslu e quaisquer outros empresários se sintam ameaçados com a condenação, e sobretudo a estranhem – por saberem que outras tantas empresas fazem o mesmo, pois ainda não foram alcançadas –, informar o fisco usando documentos falsos para pagar menos imposto ou nenhum, trazer mercadorias falsificadas como prática habitual, como opção empresarial, é crime – veja-se o que acontece na Rua 25 de Março – e afeta, sim, toda a sociedade.
Mas poderão não sofrer a mesma sanção se for adotado o entendimento do editorialista da Folha exposto no referido texto: a) que não acredite a polícia, o Ministério Público e o juiz no teor das conversas interceptadas com autorização judicial, por mais suspeitas que sejam; que avisem os investigados acerca da investigação, das interceptações telefônicas, das escutas ambientais, da ação controlada; b) que fraudar rotineiramente o fisco para enriquecer mais depressa – mesmo que implique falta de recursos públicos para aplicação em políticas públicas voltadas à saúde, educação, saúde e segurança da grande maioria da população que não tem renda, ou tem a sua pequena renda ainda mais reduzida pelo desconto na fonte – não representa perigo algum à integridade física. Realmente ficar sem o serviço público de saúde, sem segurança pública e sem escola pública não causa dano à sociedade, ao menos na reduzida parte da qual faz parte o fraudador contumaz do fisco. E, c) que para ricos devem ser aplicadas penas substitutivas da perda da liberdade, consistente em poucas cestas básicas, pois são bem baratinhas.
O crime compensa
Se a sentença da juíza federal da 2ª Vara de Guarulhos é vingança, peço vênia para trazer à consideração do leitor deste Observatório lições de estudiosos que se dedicaram a entender questões que confundem moral, direito e política. Lembro de Paul Ricoeur, na obra O justo.
Expõe o autor como se separa a violência da vingança e a justiça: se dá pelo exercício do direito penal, pelo processo, no qual, ao final, há a condenação. No correr de tal processo, a cólera privada e pública é distanciada pelo terceiro, a instituição judiciária que é o Estado, distinto da sociedade civil, único detentor da violência legítima, mas distinto dos outros poderes do Estado, corporificado na pessoa do juiz. A lei define o crime e o castigo.
No curso do processo se dá o debate entre os protagonistas: a vítima – nos casos comentados, a sociedade representada pela acusação (MP) –, o réu e o juiz. O debate é o contraditório, argumento contra argumento.
Vem a sentença, e com ela a culpa é legalmente estabelecida. Com ela, o réu muda de estatuto jurídico: de presumido inocente é declarado culpado. Assim, se a pena é uma violência, ela não é a vingança, pois distanciou-se dela pelo processo, e deve restabelecer o direito, que expressa o corpo das convenções morais que garantem o consenso político, que dá a idéia de ordem. Por ser assim, qualquer crime é um atentado à ordem social, à paz pública.
Diz o autor que a condenação também é uma resposta à opinião pública, que é o veículo, o amplificador e o porta-voz da vingança. Por tal razão, a publicidade, o tornar público não só o processo como também a pena, é voltada à educação para a equidade, disciplinando o puro desejo vingativo. Sinal da educação é a indignação, o "sentimento básico a partir do qual a educação do público para a equidade tem chances de lograr".
A onda desqualificadora da ação policial, da atuação do Ministério Público e da Justiça em primeira instância desencadeada por setores da imprensa não colabora para a educação do público, pois inverte os sinais, incorporando o discurso desenvolvido pelas caras defesas dos réus do "andar de cima", para quem o processo penal é sempre um mal injusto, razão pela qual a pena jamais deve ser aplicada; o réu tem o direito de fugir para não se submeter à pena, de sorte que suas razões para cometer crimes devem sempre ser acolhidas. Dessa forma, o que fica é que o crime compensa, na medida em que nenhuma sanção é cabível se o criminoso é bem articulado econômica e socialmente.
Tal postura ficou mais constante desde que o atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) fez sua entrée na grande imprensa, chamando investigação policial de coisa de gangster e adjetivando a atuação do Ministério Público, polícia e Poder Judiciário como "conluio", além de ter proibido algemas para ricos.
(Há um programa na Rede Record, às 7h, no qual todos os dias é possível assistir a reportagens sobre ações policiais, quando pessoas comuns do povo são presas com algemas e seus rostos e nomes exibidos. Nunca soube de qualquer iniciativa por parte do atual presidente do STF e dos donos dos jornais contra esse tipo de jornalismo.)
A Operação Satiagraha – uso os nomes das operações, vez que me ajudam a reter a síntese dos fatos de que tratam, mesmo desagradando ao atual presidente do STF – foi o caso mais gritante de como se porta a grande imprensa num país em que a publicidade governamental, financiamentos do BNDES e certos benefícios fiscais ditam a linha editorial.
A sentença condenatória
No caso Daniel Dantas, muito possivelmente por ser personagem ligado ao governo anterior e ao atual, a campanha de desqualificação – desencadeada pelos jornalões – do delegado da Polícia Federal que acompanhava as investigações, e do juiz federal que decretou a prisão temporária e a preventiva do banqueiro, foi maciça e constante. Não importa o que seja apurado e demonstrado, o que tenha decidido a segunda instância, reconhecendo a regularidade do processo em curso, vez que sequer é noticiado. A decisão do Tribunal Regional Federal 3ª Região, pela regularidade da atuação de agentes da Abin nas investigações da Operação Satiagraha, como denunciado neste Observatório, passou em branco nas redações de jornais como a Folha de S.Paulo, que se ocupou em dar mais espaço às agressões verbais do atual presidente do STF em "sabatina" cuja utilidade para o leitor não se fez perceptível.
Outra operação policial também causou indignação no Parlamento, na Fiesp e em parte da imprensa: a Castelo de Areia, que trouxe outro caso das já antigas e sabidas relações das empreiteiras com a política partidária, pois partidos políticos, mesmo quando não estão no poder, podem ajudar...
No mesmo dia foi divulgada a prisão dos proprietários da Daslu – Operação Narciso – e outras pessoas envolvidas em práticas delituosas que renderam a acusação de formação de quadrilha, descaminho consumado por seis vezes, descaminho tentado por três vezes, falsidade ideológica por nove vezes, desta feita por força de sentença condenatória. Alguns dos delitos foram praticados em condições que aumentam significativamente a pena. Sem contar que no curso do processo cometeram os mesmos réus outros delitos da mesma natureza.
Regras para fixação da pena
Sobre os dois episódios – Operação Castelo de Areia a Operação Narciso –, Eliane Cantanhêde, em sua coluna de sábado (27/3) na Folha, alerta para os "tombos" da Polícia Federal. Talvez por ser leiga em direito – dou o benefício da dúvida –, a jornalista já está vaticinando que tudo acabará em pizza porque Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal, em primeiro grau, não sabem o que estão fazendo, ou só estariam desafiando os poderosos dos três poderes. Não parece saber a colunista que o direito que se aplica ao caso é o mesmo que se aplica nos casos de réus não famosos e/ou ricos.
Nas "Notas e Informações" da edição de domingo (28/3), sob o título "Pirotecnia Judicial", o editorialista do Estado de S.Paulo assim inicia o comentário: "Independentemente dos fatores objetivos que levaram proprietários e executivos da Daslu a serem condenados por importação fraudulenta, falsidade ideológica e formação de quadrilha..." Abstraindo-se do que consta dos autos, o articulista se arvora a condição de criticar a sentença, comparando a pena fixada na sentença comentada com a fixada no cometimento de um crime contra a vida, não se dando ao mínimo trabalho de pensar um pouco sobre as palavras iniciais de seu próprio texto, que se referia à condenação por vários crimes. Prendeu-se o comentarista ao crime de sonegação fiscal, tão somente. Ocorre que os demais crimes não se confundem com aquele e não são absorvidos pelo crime tributário. Assim, mesmo que venham os donos da Daslu a pagar todos os impostos sonegados, o que acredito bem difícil, extingue-se a punibilidade – só sonegador sem recursos pode ser condenado por sonegação – e os demais crimes permanecem. E a condenação se refere aos demais crimes.
O editorialista não sabe, ou não quis explicar ao leitor, como são calculadas as penas, o que bem poderia explicar o número final, 94 anos, que se refere à soma das penas fixadas para cada delito, de acordo com a atuação de cada réu para a sua realização. Assim é que um único crime de descaminho, que tenha se valido de transporte aéreo, pode redundar em pena de 4 a 8 anos. Considere-se, por outro lado, que a juíza federal sentenciante acolheu a denúncia do Ministério Público Federal, isto é, entendeu que restaram provados os fatos delituosos imputados aos réus, na acusação inicial. E tal conclusão se deu depois de todo o contraditório – no curso de quatro anos –, quando os réus puderam usar de todos os meios para desmontar as provas da acusação, sem contar o uso de todos os habeas corpus possíveis e imagináveis.
Ao final, seguindo regras para a fixação da pena, que considera as condições pessoais dos réus, as circunstâncias dos crimes, as conseqüências do crime sobre a sociedade, fixou a pena que entendeu cabível, fundamentando-a dentro de seu convencimento pessoal, baseada no que diz a lei e a jurisprudência sobre a matéria debatida. E tudo isso foi exposto ao longo de cerca de 500 folhas.
Máximo tempo de prisão
Essa sentença foi considerada pirotecnia judicial "independentemente" dos fatos retratados no processo.
Na edição da Folha de S.Paulo de domingo (29/3), no editorial "Atrás das grades", afirma seu redator que os magistrados abusam da decretação da prisão preventiva, pois esta seria contra a lei e a orientação dos tribunais superiores. Parece que não sabe o editorialista, ou não quer saber, do que dispõe o artigo 312 do Código de Processo Penal. Dispõe esse artigo sobre os requisitos para a aplicação da prisão cautelar, sendo o principal o risco à aplicação da lei penal, mormente quando já há uma sentença condenatória e for crime que cause forte impacto sobre a ordem jurídica, além da social e econômica. De minha experiência profissional, e são quase 30 anos, a prisão em tais circunstâncias é mais do que comum. É claro que não o é quando os submetidos a ela são os do andar de cima...
Ademais, parece crer o editorialista que os juízes de primeira instância devam obediência cega às instâncias superiores. É do sistema jurídico a possibilidade de revisão das decisões, sempre na busca de maior segurança na adequação do julgado, sem dar a certeza que a última revisão seja a correta. Apenas é a última, pois os conflitos precisam ter fim. Como já admitiu o atual presidente do STF, essa é a instância onde se erra por último.
Nesse editorial e nos demais jornais não se viu a menor boa vontade em bem informar o leitor. Muito embora a somatória das penas perfaça 94 anos, o sistema penal brasileiro não contempla a pena de prisão perpétua, sendo que o máximo de tempo de prisão possível é de 30 anos. Também ninguém se dispôs a esclarecer ao leitor que há, no sistema jurídico nacional, muitos benefícios que permitem que os condenados sejam colocados em liberdade após o cumprimento de parte reduzida das penas fixadas.
Substitutivos da perda de liberdade
As matérias veiculadas também não se preocuparam em trazer informações acerca das previsões legais, bem como orientação da doutrina e jurisprudência sobre a prisão preventiva, quando se está diante de organização criminosa, versada na lei nº 9.034/95, e na Convenção de Palermo, que já é lei interna desde 2004.
Por mais que articulistas, donos de jornais, amigos, freqüentadores, negociadores da Daslu e quaisquer outros empresários se sintam ameaçados com a condenação, e sobretudo a estranhem – por saberem que outras tantas empresas fazem o mesmo, pois ainda não foram alcançadas –, informar o fisco usando documentos falsos para pagar menos imposto ou nenhum, trazer mercadorias falsificadas como prática habitual, como opção empresarial, é crime – veja-se o que acontece na Rua 25 de Março – e afeta, sim, toda a sociedade.
Mas poderão não sofrer a mesma sanção se for adotado o entendimento do editorialista da Folha exposto no referido texto: a) que não acredite a polícia, o Ministério Público e o juiz no teor das conversas interceptadas com autorização judicial, por mais suspeitas que sejam; que avisem os investigados acerca da investigação, das interceptações telefônicas, das escutas ambientais, da ação controlada; b) que fraudar rotineiramente o fisco para enriquecer mais depressa – mesmo que implique falta de recursos públicos para aplicação em políticas públicas voltadas à saúde, educação, saúde e segurança da grande maioria da população que não tem renda, ou tem a sua pequena renda ainda mais reduzida pelo desconto na fonte – não representa perigo algum à integridade física. Realmente ficar sem o serviço público de saúde, sem segurança pública e sem escola pública não causa dano à sociedade, ao menos na reduzida parte da qual faz parte o fraudador contumaz do fisco. E, c) que para ricos devem ser aplicadas penas substitutivas da perda da liberdade, consistente em poucas cestas básicas, pois são bem baratinhas.
O crime compensa
Se a sentença da juíza federal da 2ª Vara de Guarulhos é vingança, peço vênia para trazer à consideração do leitor deste Observatório lições de estudiosos que se dedicaram a entender questões que confundem moral, direito e política. Lembro de Paul Ricoeur, na obra O justo.
Expõe o autor como se separa a violência da vingança e a justiça: se dá pelo exercício do direito penal, pelo processo, no qual, ao final, há a condenação. No correr de tal processo, a cólera privada e pública é distanciada pelo terceiro, a instituição judiciária que é o Estado, distinto da sociedade civil, único detentor da violência legítima, mas distinto dos outros poderes do Estado, corporificado na pessoa do juiz. A lei define o crime e o castigo.
No curso do processo se dá o debate entre os protagonistas: a vítima – nos casos comentados, a sociedade representada pela acusação (MP) –, o réu e o juiz. O debate é o contraditório, argumento contra argumento.
Vem a sentença, e com ela a culpa é legalmente estabelecida. Com ela, o réu muda de estatuto jurídico: de presumido inocente é declarado culpado. Assim, se a pena é uma violência, ela não é a vingança, pois distanciou-se dela pelo processo, e deve restabelecer o direito, que expressa o corpo das convenções morais que garantem o consenso político, que dá a idéia de ordem. Por ser assim, qualquer crime é um atentado à ordem social, à paz pública.
Diz o autor que a condenação também é uma resposta à opinião pública, que é o veículo, o amplificador e o porta-voz da vingança. Por tal razão, a publicidade, o tornar público não só o processo como também a pena, é voltada à educação para a equidade, disciplinando o puro desejo vingativo. Sinal da educação é a indignação, o "sentimento básico a partir do qual a educação do público para a equidade tem chances de lograr".
A onda desqualificadora da ação policial, da atuação do Ministério Público e da Justiça em primeira instância desencadeada por setores da imprensa não colabora para a educação do público, pois inverte os sinais, incorporando o discurso desenvolvido pelas caras defesas dos réus do "andar de cima", para quem o processo penal é sempre um mal injusto, razão pela qual a pena jamais deve ser aplicada; o réu tem o direito de fugir para não se submeter à pena, de sorte que suas razões para cometer crimes devem sempre ser acolhidas. Dessa forma, o que fica é que o crime compensa, na medida em que nenhuma sanção é cabível se o criminoso é bem articulado econômica e socialmente.
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