terça-feira, 6 de setembro de 2016

Deixo pra trás Ushuaia em buscar um mundo novo em El Calafate

Mesmo estando na região patagônica, a beira da cordilheira e com temperaturas beirando a zero, El Calafate é um lugar muito diferente. Lá não tem estações de esquis, nem atrações invernais. A cidade nasceu à beira do Lago Argentino, próximo à fronteira do Chile. O que a torna especial é o fato de ser a cidade mais próxima do Parque Nacional Los Glaciares, onde está localizada a maior geleira em extensão horizontal do mundo: o Glaciar Perito Moreno.

A cidade bem menor que Ushuaia é relativamente nova, ao menos assim parece. A rede hoteleira é desenvolvida e atende a todos os bolsos. O comércio local espalhado pelas 12 quadras da Av. Del Libertador, onde ficam também os bares, restaurantes e as agências de turismo é muito organizado. Os preços praticados por lá são bem menores que os da Terra do Fogo, o problema é que tudo fecha à tarde, depois das 14h você fica a deriva. Eles só retornam as 16h30.


Como as atividades “turísticas” na região são afastadas da cidade seu horário de funcionamento é um problema. Na volta dos  passeios tive dificuldade em achar restaurante aberto. Mas, sempre tem um cantinho que oferece uma empanada quentinha, para nos aquecer.

El Calafate é a base ideal para explorar a região, fica a cerca de 90 quilômetros do Parque dos Glaciares e a 200 de El Chalten, o paraíso do traking.
O cachorro Issy nos acompanha no passeio

Fizemos um passeio pela cidade. Conhecemos o lago Argentino e a Reserva da Laguna Nimez, uma área protegida e cercada para observação de pássaros. O guarda do parque informou que no inverno não há muito para observar, pois as aves voam para outros lugares mais quentes, então nos recomendou conhecer uma praia próxima dali.

As avenidas que margeiam o lago são amplas e bem cuidadas, mas devido à temperatura ficam a maior parte do tempo desertas, assim como a tal praia. A paisagem é belíssima, mas não se encontra alma viva. O lago Argentino é enorme, suas praias formadas por pedriscos são bem agradáveis, mas o frio era intenso e perto da água a sensação é de que a temperatura é menor ainda. Melhor voltar para civilização. O percurso a pé até o centro da cidade dura cerca de uma hora e invariavelmente você tem a companhia de cães, que perambulam aos montes pelas ruas da cidade, o que nos acompanhou ganhou até nome: Issy.


Parque Nacional dos Glaciares

As agencias de turismo da cidade oferecem uma infinidade de opções para visitar os Glaciares, mas resolvi alugar um caro, gosto de ter autonomia. Essa opção acabou sendo interessante, fiquei com o carro três dias e pude conhecer lugares que sem ele seria impossível.

Museu Glaciarium
Já a bordo do possante fomos visitar o Glaciarium Museo del Hielo Patagónico. Perto da cidade, instalado em um moderno prédio o museu se dedica a divulgar as geleiras patagônicas, um dos poucos centros de interpretação glaciológica do mundo. Conhecer o museu ajudou muito, ele é bem equipado e os guias nos mostram como se formam e funcionam as geleiras, nos preparando para o espetáculo que veríamos in loco.
Era início de temporada de inverno e a neve começou a cair. Acordamos cedo sob uma temperatura de cerca de 2 graus negativos. La fora, tudo escuro. O carro estava coberto por uma fina camada de gelo que só de desfez depois que começamos a andar. Dentro dele o ar quente no máximo, levamos até cobertores e olha que demorou a nos aquecermos. O GPS fornecido pela locadora não funcionou. Não havia sinal de celular para o Waze, então usamos o velho mapa. Em alguns minutos estávamos na estrada.

Perito Moreno visto da estrada
Durante um bom tempo seguimos margeando o Lago até que saímos em direção à cordilheira. A paisagem mudou, já havia curvas e um certo aclive, estávamos entrando no Parque.

O Parque Nacional Los Glaciares foi declarado patrimônio da humanidade em 1981. Nele, estão localizados os glaciais Perito Moreno, Upsala, O'nelli e Spegazzinni. O mais próximo e famoso o Pierito Moreno desce da cordilheira formando um grande rio de gelo com mais de 36 quilômetros de extensão. Ao chegar às margens do lago, suas paredes têm cerca de 60 metros de altura e estão em constante atividade. Chegamos a observar enormes blocos se desprendendo do glacial e mergulhando nas águas do lago.

A chegada ao local é quase cinematográfica, a estrada que nos conduz até o glacial é linda; de um lado vê-se o lago e do outro uma cadeia de montanhas com os  picos cobertos por gelo. A cada nova curva descortina-se uma paisagem mais exuberante que a anterior até que chegamos de frente com o glacial. É paralisante. Um enorme bloco de gelo desce por uma vale em direção a o logo e tem a imagem refletida na água. Coisa de “folhinha”!

O Parque tem excelente infraestrutura, as margens do lago foram construídas enormes passarelas de onde se pode observar, com segurança, toda atividade do glacial. Demos sorte, assim que chegamos ao mirante, bem defronte ao glacial, aconteceu um desprendimento. Ouvimos um grande ruído, como se fossem uma sequencia de trovões, que foram aumentando de volume até que uma grande “lasca” de gelo se despendeu do glacial, caiu na água e seguiu seu caminho já com iceberg.

No Catamarã a caminho da geleira
Deslumbrado com tom azulado daquele gelo quis chegar mais perto, a opção foi um tour Safari Náutico, que nos levou em um catamarã até bem próximo do glacial. Durante o passeio ficamos sabendo que é possível andar sobre ele, porém apenas em períodos de verão, uma vez que no inverno a neve esconde as grotas formadas no gelo e torna o passeio muito perigoso.

Passamos o dia no Parque. São mais de quatro quilômetros de passarela que desvendam várias faces do glacial, há ainda um restaurante de onde se pode observar o grande bloco de gelo acompanhado por um aconchegante copo de chocolate com conhaque nas mãos.


El Chalten tem cerca de 500 habitantes

El Chalten o paraíso do trekking
Depois de uma boa dose de paisagem resolvemos partir para aventura e fomos conhecer El Calten, uma pequena cidade de cerca de 500 habitantes cravada aos pés da cordilheira, bem na fronteira como Chile. Lugar próprio para a prática do turismo de aventura, famoso por suas montanhas, trilhas, rafting, escaladas, mountain bike, cavalgadas e canoagem.


Novamente encaramos frio na estrada, porém desta vez a viagem foi mais longa, cerca de três horas. Seguimos ao norte, pela Ruta 40 até o acesso da Ruta 23 em direção a Cordilheira. Agora, o lago que nos acompanha é outro o Viedma, que assim como a Argentino é alimentado pelo degelo dos glaciais. A paisagem é cinematográfica, lembra muito as locações de “O Senhor dos Anéis”.
Escalar o Fitz Roy é considerado um grande desafio
O Monte Fitz Roy desponta imponente no horizonte. Aliás, essa montanha recebeu esse nome por causa do capitão do HMS Beagle, navio que levou o grande naturalista que mostrou ao mundo a tese da evolução humana Charles Darwin para região. Ela não é muito alta, tem cerca de 3000 metros, mas é considerada como um grande desafio, porque suas paredes verticais são formadas de rocha e gelo e o clima da região é ruim e traiçoeiro.
Uma hora para chegar ao mirante

Não encaramos a Fitz Roy (como se fosse simples assim), mas fizemos a trilha do “Mirador de Las Aguílas”, de onde se pode avistar o Morro da Torre, o Fitz Roy, o Valle del Río de Las Vueltas e a lado oeste do lago Viedma. Estava meio nublado e a névoa encobria o pico dos morros, mas mesmo assim a paisagem é deslumbrante. Foram cerca de três horas de caminhada por uma trilha relativamente simples e tranquila, esse é um trek para principiantes. 

Muito frio, quase não teve piquenique
Com direito a piquenique na descida da trilha, seguimos ao Chorrillo del Salto, uma cachoeira aos pés da Cordilheira, bem próximo a cidadela. O sol já se escondia por entre as montanhas e o frio tomava seu lugar. Para ajudar, meu filho de 12 anos, munido de um cajado, resolveu atravessar o riacho. Deu a lógica, caiu na água. Hora de ir embora, mais de 200 quilômetros de estrada nos aguardava. Já próximo a El Calafate começou a nevar e a tensão aumentou, mas nossos pneus possuíam cravos que nos permitia rodar com segurança mesmo em terrenos mais escorregadios, seguimos tranquilos até nosso hotel.

A cidade chama-se El Calafate devido a um arbusto típico da patagônia o calafate, uma árvore baixinha com flores amarelas na primavera e uma frutinha roxa no verão. Eles a usam pra tudo fazem de sabonete a licor. Segundo a tradição, quem come esse fruto sempre retornará à Patagônia! Eu voltarei, mas de moto.

Algumas fotos:

PERITO MORENO











EL CHALTEN