quinta-feira, 2 de julho de 2015

Um boteco santificado

Foi na Rua Getúlio Vargas entre a Catedral Nossa Senhora do Pilar e a Igreja Nossa Senhora do Carmo, em São João Del Rei que encontrei o Bico de Lacre, autentico “pé sujo histórico”.

Em um daqueles casarões da década de cinquenta está instalado um simpático botequim, seu interior é simples, balcões de mármore um tanto desgastados, provavelmente ali desde sua fundação, com vitrines de vidro que não nos permite ver o há por trás dele. No pequeno salão algumas mesas fornecidas pelas empresas de cerveja, ficam encostadas na parede e entre as duas portas de entrada. O espaço central é ocupado por frequentadores boêmios, alguns tão antigos quanto o bar.

Os clientes ocupam o espaço de acordo com sua conveniência, alguns colocam cadeiras na calçada e ficam observando turistas passarem pela estreita rua de paralelepípedos, que liga as duas grandes igrejas barrocas. Copo americano na mão é a principal característica do local, não há alma viva sem um deles. No balcão o único tira-gosto disponível é a mozarela de nó, que é servida em um desgastado pratinho de louça, cortada em quatro partes. O movimento é agitado, por ali também funciona, um tanto discretamente, uma agência de corretagem animal, muitos vêm fazer sua fezinha e vão embora sem beber nada, por isso da a impressão de ter sempre gente novas no pedaço.

A integração é muito grande, o grupo habitual de frequentadores logo percebe forasteiros e, como bons mineiros, puxam conversa. Falam de tudo até da vida do amigo ao lado, em questão de minutos todos se tornam melhores amigos. Se for pedir um reforço no tira-gosto tem de levar o pratinho, o utensílio é escasso, mas a cerveja é gelada e o copo americano. Na hora de ir embora não adianta pedir a conta, o único funcionário no balcão que deve ser também o dono não anotou nada, ele pergunta de volta o que você consumiu e faz a conta. Simples assim.
Da esquerda. para a direita: Zé Holanda, Pedro, eu, Thadeu, Luciano, Renato, Marcão e Alemão



quarta-feira, 1 de julho de 2015

A simplicidade da cachaça familiar

Ao fundo e a direita bagaço que será queimado, a esquerda a entrada do alambique. A frente eu.
Tem coisas que só quem roda de moto por ai encontra. Entre um boteco e outro, nas estradinhas do sul de Minas Gerais, nos deparamos com um alambique Bicentenário.

Balcão de madeira, mal iluminado
A fazenda pertence a um sobrinho distante de Tiradentes, que há oito gerações produz cachaça artesanalmente. As instalações são basicamente as mesmas de 1755. O barracão de bagaços se mantém erguido com toras e coberto com telhas de barro. A base do moinho ainda é feita de pedras e tocado por uma roda d´água. A fornalha que aquece o alambique é alimentada pelo bagaço da cana e o líquido que pinga do alambique é resfriado por água corrente, desviada de um riacho próximo. Até a cana usada na produção é orgânica e a mesma de anos atrás. Eles plantam feijão no meio do canavial a fim de enriquecer o solo para o cultivo da cana, sem necessitar de defensivos químicos, mantendo a cachaça o mais natural possível.

Momento de degustação
Ao entrar no rústico barracão encontra-se, além de toda a parafernália de produção, um balcão de madeira mal iluminado, próximo a um fogão de lenha e um senhorzinho servindo cachaça em pequenos copos e falando sem parar. Do fogão saem linguiças cortadas em rodelas, que são consumidas entre um gole e outro da “marvada”. Ele conta que o engenho foi construído em 1755 e, desde então, nunca parou de produzir cachaça artesanal de boa qualidade. Quando questionado como envelhece suas cachaças o simpático senhor diz que sua cachaça não é envelhecida em barris de madeira, "minha cachaça é cristalina, não tem vergonha de ser cachaça", o envelhecimento se dá nas próprias garrafas.
Nando nos conta um pouco da história do Alambique, que se confunda com a de sua família

No meio de três ou quatro cachorros que ali vivem, circulam os visitantes e também o Luiz Fernando, herdeiro da fazenda, ou simplesmente Nando e seus dois filhos. Muito simpático nos contou que para beber cachaça é preciso respeitar algumas regras: 

A cristalina cachaça Século XVIII e a Santo Gau
1 - Beber apenas em momentos de alegria;

2 - Beber apenas acompanhado de amigos;

E ainda conta, que visitado por um hepatologista cachaceiro aprendeu que o fígado tem limites e ensina uma fórmula para beber com saúde. Deve-se observar a densidade do álcool que é de 0,8 kg/m³, multiplicá-la pelo teor alcoólico (% Gay Lussac) e depois pelo volume (ml) consumido. Para um consumo saudável o resultado da conta deve ser menor que 20, caso o cálculo refira-se há um dia ou menor de 100 se aplicado ao consumo semanal. Vale lembrar que o volume é cumulativo.

A cachaça realmente é diferenciada, não sei se bebida fora daquele contexto será tão saborosa, o fato é que a situação transporta quem está por ali para um distante passado onde não era pecado beber cachaça nem comer linguiça usando as próprias mãos.
O acesso ao Alambique não é muito simples, por isso as Harley Davidson ficaram do lado de fora

O Alambique fica na cidade de Coronel Xavier Chaves. O tal coronel era bisneto da irmã de Tiradentes, Antônia Rita da Encarnação Xavier, a cidadezinha fica entre Tiradentes e São João Del Rei, lá o Engenho Boa Vista, produz a cristalina cachaça Século XVIII e é considerado o mais antigo engenho de cachaça em atividade no país.