quinta-feira, 4 de junho de 2009

Projeto que combate o crime organizado recebeu três emendas no Plenário

COMISSÕES / CCJ03/06/2009 - 15h20

Com a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e o Procurador-Geral da República, Antônio Fernando de Souza, a audiência pública realizada nesta quarta-feira (3) pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) teve como foco a legislação voltada ao combate ao crime organizado. Na pauta da CCJ aguarda votação o projeto de lei (PLS 150/06) que trata da repressão para a organizações criminosas.

O projeto foi aprovado na CCJ em novembro de 2007 e estava na pauta do Plenário para análise final do Senado. Mas retornou à CCJ para apreciação de três emendas apresentadas pelo senador Romeu Tuma (PTB-SP).
A proposta, da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), define o crime organizado e determina instrumentos legais para combatê-lo, incluindo normas de investigação, meios de obtenção de prova e procedimento criminal a ser aplicado. O texto final, com parecer do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), considera organização criminosa a associação de três ou mais pessoas - estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas - com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de um ou mais de 19 crimes (veja tabela abaixo).
Emendas
As três emendas de Tuma alteram a expressão"investigação" por "inquérito policial", nos dispositivos do texto referentes ao procedimento criminal. Segundo Tuma, o objetivo das alterações é aperfeiçoar o texto,"tendo em conta que a polícia judiciária atua na fase pré-processual e o Ministério Público tem a competência constitucional para deflagrar, com exclusividade, a ação penal pública".
Mercadante, ao concordar com as emendas, explica que as modificações deixam bem marcados os campos de atuação da polícia e do Ministério Público no âmbito do procedimento criminal. O senador petista cita julgamento do Recurso de Habeas Corpus do STF: "A Constituição federal dotou o Ministério Público de poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito Policial. A norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet de realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente as pessoas suspeitas de autoria do crime, mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial".
Penas
Quem promover, constituir, financiar, cooperar, integrar e favorecer pessoalmente ou indiretamente organização criminosa será punido com reclusão de cinco a dez anos e multa, sem prejuízo das penas correspondentes aos demais crimes praticados. O financiamento de campanhas políticas destinadas à eleição de candidatos com a finalidade de garantir ou facilitar as ações de organizações criminosas será igualmente punido.
Também será punido com as mesmas penas quem, por meio de organização criminosa, fraudar licitações em qualquer de suas modalidades, ou concessões, permissões e autorizações administrativas; intimidar ou influenciar testemunhas ou responsáveis pela apuração de infração penal; e impedir ou dificultar a apuração de crime que envolva organização criminosa.
A pena é aumentada de um terço até a metade quando ocorrerem quatro situações: se a estrutura da organização criminosa for constituída por mais de 20 pessoas; quando a organização empregar arma de fogo, concurso de agente público responsável pela repressão criminal ou colaboração de criança ou adolescente; se qualquer dos integrantes for funcionário público; e se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior.
De acordo com o projeto, a pena aumenta em 50% quando o infrator exercer o comando individual ou coletivo da organização criminosa, ainda que não pratique atos de execução. Se qualquer dos integrantes da organização for funcionário público, o juiz poderá determinar seu afastamento cautelar da função ou do mandato eletivo, sem prejuízo da remuneração e demais direitos previstos em lei, até o julgamento final da ação penal. A condenação acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo, bem como a interdição para o exercício da respectiva função ou cargo público pelo dobro do prazo da pena aplicada.
No capítulo que trata da investigação, o projeto estabelece que, em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, entre outros meios de obtenção de prova, os seguintes: colaboração premiada do investigado ou acusado; interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos; ação controlada; acesso a registros de ligações telefônicas, dados cadastrais, documentos e informações eleitorais, comerciais e de provedores da internet; interceptação de comunicação telefônica e quebra de sigilos financeiro, bancário e fiscal; e utilização de agentes de polícia ou de inteligência em tarefas de investigação.
O crime organizado e as infrações penais conexas serão apurados mediante procedimento ordinário previsto no Código de Processo Penal (Lei 3.689/41), conforme o PLS, que, no entanto, permite a realização de interrogatório do acusado preso por meio de videoconferência ou diretamente no estabelecimento penal em que se encontrar.
O projeto estabelece que possa ser decretado pela autoridade judicial competente o sigilo da investigação, para garantir agilidade e eficácia das diligências investigatórias. A matéria modifica parte do Código Penal (Lei 2.848/40).
Valéria Castanho e Helena Daltro Pontual- repórteres da Agência Senado
Os 19 crimes que, pelo PLS 150/06, podem ser relacionados ao crime organizado:
  • tráfico ilícito de drogas
  • terrorismo, sua organização e financiamento
    contrabando ou tráfico ilícito de armas, munições, explosivos ou materiais destinados a sua produção
  • extorsão mediante seqüestro
  • crimes contra a administração pública
  • crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira
  • crimes contra o sistema financeiro nacional
  • crimes contra a ordem econômica ou tributária
  • Crime contra o transporte de valores ou cargas e receptação dolosa dos bens
  • tráfico de pessoas
  • tráfico de migrantes
  • lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores
  • tráfico ilícito de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano
  • homicídio qualificado
  • falsificação, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais
  • Crime contra o meio ambiente e o patrimônio cultural
  • Roubo qualificado
  • delitos informáticos
  • outros crimes previstos em tratados ou convenções internacionais assinados pelo Brasil

Valéria Castanho / Agência Senado

terça-feira, 2 de junho de 2009

“Ciclo completo de polícia”: ou a indevida investigação legal

Editorial do Boletim IBCCRIM nº 199 - Junho / 2009


É da história do processo penal brasileiro que, ao tempo imperial, objetivando dar cobro às devassas policiais aleatórias e incontroladas, é que se criou a Polícia Judiciária, sendo os primeiros delegados de Polícia recrutados dentre os membros mais diligentes da Magistratura.

Na ditadura militar (de 1964 a 1985) criou-se uma estrutura de segurança do Estado que teve como traços marcantes a simbiose entre os órgãos de segurança estaduais e as Forças Armadas federais, bem como a entrega do policiamento civil a corporações militares locais, caracterizadas como “longa manus” de um poder político-militar central. Lograva-se, assim, com traumas às liberdades individuais, um controle repressivo que, por duas décadas, arbitrariamente ceifou vidas, liberdades e direitos.

Atualmente, a tibieza do legislador e a indiferença ministerial e judicial têm alimentado as corporações militares estaduais, com o objetivo de implantar o denominado “ciclo completo de polícia”. Busca-se reunir as tarefas do policiamento ostensivo com funções próprias de investigação criminal, concentrando-as numa única instituição policial. Tal modelo, vale dizer, o rompimento da partição de atribuições — e a salutar fiscalização mútua dela decorrente — entre as agências estatais civis e as militares, estas detentoras da força e da missão da segurança pública.

O grande equívoco tem sido tratar a disciplina legal de atribuições investigatórias como meras desavenças corporativas. A muitos parece que a pretensão militar à investigação criminal, hoje legalmente com sua congênere civil, seja relegada ao palco das disputas institucionais policiais, e não que seja tratada com a seriedade científico-legislativa como desejável, e é desejável.

Nesse quadro, o anteprojeto de Código de Processo Penal, ora finalizado pela Comissão de Juristas instituída junto ao Senado Federal, somente traz retrocessos. Omisso, enseja verdadeira anomia no tocante à titularidade da investigação preliminar criminal, remetendo-a à disciplina de lei. Coloca-nos na iminência de trocar o atual quadro por uma disciplina expressa em um cenário pior: a ausência de normatização.

As diretrizes do ensino policial, sinalizadas em nível federal, apontam para uma perigosa comistão entre policiais civis e militares. Sua expressão maior está no que a Secretaria Nacional de Segurança Pública designou eufemisticamente de “Programa de Pleno Atendimento ao Cidadão”: uma intervenção na estrutura dos Estados que investe na capacitação de policiais militares para tarefas típicas de Polícia Judiciária, sugerindo modelo nacional único de apuração das infrações penais de menor potencial ofensivo, com dispêndio de recursos públicos e prejuízo à prevenção dos delitos pela via ostensiva. Dúvidas sobejam se também entrarão pelas portas dos quartéis o controle externo do Ministério Público e/ou a correição do Poder Judiciário, e sobretudo se dali sairá o produto da devida investigação legal. Não por acaso defendeu Luigi Ferrajoli devesse a polícia investigativa ser apartada do Executivo e albergada pelo Poder Judiciário.

Os fundamentos operativos da Polícia Judiciária não são aqueles da férrea hierarquia verticalizada, mas, sim, da estrita obediência à legalidade, pois deve esse órgão curvar-se não aos interesses contingentes do transitório poder político local, mas, sim, aos ditames jurídicos do devido processo legal de inspiração e demarcação constitucionais. Seu centro não é a caserna, mas, sim, a praça pública com a transparência que ela invoca.

Por isso é que impende ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, como destinatários preferenciais da fase antejudicial da persecução penal, o controle e acompanhamento das funções das polícias civis. Compete, por fim, ao Poder Judiciário assumir de vez sua responsabilidade na correição permanente de seu serviço auxiliar que é a polícia judiciária, resgatando-a das interferências e desmandos aos quais não pode cegamente subordinar-se o órgão responsável pela construção embrionária da prova criminal.

Mas não é o que se tem assistido. No Estado de São Paulo, perigoso precedente foi a edição, pela Corregedoria-Geral de Justiça, de um provimento (de duvidosa constitucionalidade) que tornou possível aos milicianos a elaboração de termos circunstanciados nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo. Pelo País, não têm sido raros os casos de concessão de mandados de busca e apreensão domiciliar a policiais militares, para desempenho de diligências próprias de Polícia Judiciária. Recentemente, viu-se o Brasil na condição de réu perante a OEA em razão de escutas telefônicas realizadas por uma Polícia Militar estadual, evidentemente com a (in)devida autorização judicial. Por fim não é desconhecida a complacência judicial e ministerial para com o irregular exercício de poder de polícia pelas guardas municipais, às quais não se conferiu constitucionalmente, ainda, a realização de buscas pessoais e domiciliares que com desenvoltura hoje executam.

Em meio às omissões e transigências, remanesce o cidadão que, pretenso violador de uma norma penal, passa a ser alvo de superposta e descoordenada (não raro desastrada) intervenção de múltiplos órgãos de um Estado que não consegue (ou não quer) cingi-los a padrões objetivos de atuação com âncoras constitucionais.

Ninguém desconhece que os órgãos policiais, em qualquer quadrante do mundo, tendem com espantosa facilidade à corrupção e ao arbítrio, tanto maior quanto menos claras sejam as regras para sua atuação e controle. Já é passada a hora de o Estado restituir à sociedade a polícia que a última ditadura lhe subtraiu. Caso contrário, a presidência da Polícia Judiciária, outrora envergando a toga, estará prestes a apresentar-se de farda à sociedade, a dano da boa administração da justiça criminal que há tempos se aguarda.