domingo, 30 de maio de 2010

Polícia Federal investiga prostituição de modelos e dançarinas de TV

Esquema descoberto pela Polícia Federal pagava até R$ 20 mil para dançarinas e modelos se prostituírem

Escutas revelam que mulheres eram levadas inclusive para outros países onde realizavam programas sexuais

FLÁVIO FERREIRA
DE SÃO PAULO

O cliente do Paraná liga e diz que quer sair com “alguém consagrado”. A agenciadora cita os nomes de uma modelo, de uma dançarina de um programa de TV, de uma ex-capa de revista masculina. E lista os preços: R$ 6.000, R$ 4.000…

Em outra ligação, uma famosa assistente de palco de TV relata a uma agenciadora detalhes do programa que lhe rendeu R$ 10 mil.

Diálogos interceptados pela Polícia Federal mostram que uma rede de prostituição de luxo, descoberta em uma operação de 2009, intitulada Harém, cooptou modelos, atrizes e dançarinas de programas de TV, oferecendo cachês de até R$ 20 mil.

A Operação Harém chegou a ser divulgada pela PF no ano passado, mas agora a Folha teve acesso às escutas que mostram detalhes do filão mais lucrativo da quadrilha: o das “famosas” da TV e de revistas. E também de seus principais clientes: políticos, empresários e jogadores de futebol.

Em uma das gravações, um agenciador diz que um governador está interessado em uma dançarina de um programa de TV. Outra aliciadora diz que não seria possível, pois ela estava “namorando um playboyzinho”.

Em outra escuta, uma paulista que já posou várias vezes para revistas masculinas e é destaque de escolas de samba foi enviada à França pelo grupo para atender a um jogador de futebol francês. Ganhou R$ 6.000.

O preço mais alto discutido pelos agenciadores grampeados pelos agentes da Polícia Federal foi de cerca de R$ 20 mil. Eles negociaram uma a noite com uma mulher casada e com filhos.

Nas escutas, os aliciadores citam também muitas mulheres que consideram impossíveis ou difíceis de serem cooptadas pela rede de prostituição de luxo.

INVESTIGAÇÃO

Das 12 mulheres indicadas como testemunhas de acusação pelo Ministério Público, três frequentam as telas da TV e duas já foram capa de revistas masculinas.

O caso da modelo que foi para França foi usado nos relatórios da PF para comprovar que os aliciadores cometeram crimes de tráfico internacional de pessoas para exploração sexual.

De acordo com a PF, o esquema era liderado por Yzamak Amaro da Silva, conhecido como “Mazinho”, e Luiz Carlos Oliveira Machado, o “Luiz da Paulista”.

Ao todo, 11 pessoas foram denunciadas à Justiça por quatro crimes ligados à exploração da prostituição, além de formação de quadrilha. As penas podem chegar a 26 anos de prisão.

O processo criminal do caso está na fase de depoimento de testemunhas.

Como a prostituição não é crime, nem as garotas nem os clientes foram denunciados, e a Folha decidiu não publicar seus nomes.

Esquema tinha até um manual de conduta

DE SÃO PAULO

As escutas da Operação Harém mostram que a prostituição de luxo envolve regras, condutas e fetiches particulares.

As investigações da PF mostram que as mulheres mais conhecidas na mídia fazem exigências para se prostituírem, como: o encontro deve ser em um hotel de luxo, e a entrada deve ser pela garagem, ou a relação sexual deve ser “padrão”- aquelas que aceitam extravagâncias cobram preços extras.

Em um dos grampos da PF, uma aliciada “famosa” enviada à França fez uma declaração sobre os fetiches dos clientes. “Hoje é muito diferente de antigamente, pois antes as meninas deveriam ser lindas, mas agora elas têm que fazer algo bizarro, filme pornô, etc.”, disse ela.

RESORT

Um resort na República Dominicana envolvido no esquema criou um manual de conduta para as brasileiras enviadas ao hotel.

Elas recebiam o manual em português e inglês e tinham que assiná-lo para mostrar concordância com as regras. Uma delas dizia: “Não é permitido banho de sol de topless em público. Topless é obrigatório na piscina privativa do resort”.

Ocidente é menos liberal com relação a prostitutas

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Para os dicionários, “homem público” é o indivíduo que desempenha altas funções no Estado. Já “mulher pública” significa “puta” mesmo. Mais do que preconceito de gênero, a diferença de tratamento revela também o fascínio exercido pela prostituição sobre a sociedade e, por extensão, o idioma.

Das 32 locuções com a palavra “mulher” registradas pelo “Houaiss”, 19 (60%) são um eufemismo para “marafona”. O mesmo dicionário, no verbete “meretriz”, traz nada menos que 121 sinônimos para o termo, sem pretender esgotá-los.

Se a profissão mais antiga do mundo é assim tão popular, como pode ser considerada crime? Ou, como colocou o comediante norte-americano George Dennis Carlin, “por que é ilegal vender algo que pode ser dado de graça totalmente dentro da lei?”

O tratamento jurídico dado às mulheres da vida varia bastante no espaço e no tempo. Há desde países islâmicos em que elas são condenadas à morte por dilapidação até algumas nações ocidentais, como Holanda, Alemanha, Suíça e Nova Zelândia, em que a atividade é legal e está regulamentada.

A grande maioria dos países ocidentais, contudo, adota uma posição menos liberal. Não chega a proibir uma pessoa de entregar-se por dinheiro, mas veda explorar comercialmente a libidinagem de terceiros. É nessa categoria que se inscrevem Brasil, França, Canadá e Dinamarca, entre outros.

As coisas ficam ainda mais confusas se analisarmos o tratamento dado à prostituição através da história. O primeiro erro seria imaginar que caminhamos de uma situação de total rejeição para uma de maior tolerância.

DEVER RELIGIOSO

Entre os antigos, vender o corpo chegou a ser um dever religioso. Esse hábito escandalizou o historiador grego Heródoto, que escreveu: “Vejamos agora o costume mais vergonhoso dos babilônios. É preciso que cada mulher do país, uma vez em sua vida [normalmente antes do casamento], se una a um homem estrangeiro no templo de Afrodite [é como Heródoto traduz Ishtar] (…) Quando uma mulher está sentada ali [nas cercanias do templo], tem de esperar para poder voltar a casa que um estrangeiro lhe tenha jogado dinheiro nos joelhos e se tenha unido a ela no interior do templo (…) A mulher não tem absolutamente o direito de recusar o homem, pois o dinheiro é sagrado. (…) As que são belas e têm um belo corpo podem voltar rapidamente para casa; mas as feias são obrigadas a ficar ali por muito tempo, sem poder satisfazer a lei. Algumas ficam lá por três ou quatro anos”.

O dinheiro arrecadado pelos templos era depois emprestado a juros, no que constitui a origem das primeiras casas bancárias.

A reação de Heródoto não significa que os gregos condenassem a venda do sexo. Muito pelo contrário, entre as grandes realizações de Sólon, o legendário legislador ateniense, é sempre citada a criação dos bordéis públicos a preços módicos. Atenienses viam a iniciativa como parte de sua democracia.

OUTRO LADO

Acusado diz que não atua mais com prostituição

Agenciadores de prostituição luxo estão enviando brasileiras à África do Sul para atender clientes durante a Copa, segundo um dos réus da Operação Harém da PF.

Luiz Carlos Oliveira Machado, o “Luiz da Paulista”, apontado pela PF como um dos líderes do grupo de aliciadores descoberto pela PF, afirmou à Folha que atuou por 17 anos com agenciamento, mas deixou tal a atividade quatro anos anos antes de a PF iniciar a operação.

Machado disse que atualmente trabalha com investimentos em imóveis e comércio de bebidas, mas continua tomando conhecimento sobre as ações de agenciadores.

Ele diz que há cerca de 15 intermediadores em ação na prostituição de luxo, e eles já enviaram mais de 50 mulheres para a África do Sul. “Elas assinam contratos para trabalhar como recepcionistas, recebem US$ 500 por dia, mas é tudo fachada”, disse.

Segundo o acusado há grandes empresas que também contratam mulheres para acompanhar convidados e realizar programas sexuais com eles na Copa.

Segundo ele, não há provas de que ele tenha atuado como agenciador e ele foi grampeado porque aliciadores na ativa ligaram para ele pedindo informações.

Aleixo de Lelles, advogado do réu Yzamak Silva, disse que não há elementos no inquérito que provem que o acusado cometeu crimes.

FOCO

Assédio é frequente, afirma dançarina de televisão

AUDREY FURLANETO
DO RIO

Um homem ou mulher se aproxima e entrega um cartão de visitas com telefone. É a forma mais frequente de abordagem para tentar um “programa de luxo”, conta Nicole Bahls, uma das “panicats” (dançarinas de palco e personagens do “Pânico na TV!”, da Rede TV!).

Aos 24 anos e escalada para estampar a “Playboy” de agosto ou setembro, ela já recebeu “quatro ou cinco propostas” diretas ou feitas por “intermediários”.

“Alguém aborda e entrega um cartão. “Vou deixar meu cartão e você me liga.” Vai deixar cartão para quê, entende? Que relação é essa?”, questiona.

Ex-dançarina e atriz do “Pânico”, Regiane Brunnquell, 27, deixou o programa há cerca de um ano. Interpretava a personagem “Sandy Capetinha”, versão sexy e engraçada da cantora Sandy.

Formada em administração, ela conta que ouviu incontáveis propostas, mas, “por uma questão de postura”, nunca aceitou. “Já recebi umas do tipo: fui fazer evento e o filho de um governador mandou uma pessoa perguntar o que eu gostaria de jantar. E não: “Quanto é?” Essa coisa vulgarizada, não.”

Regiane deixou o “Pânico” na tentativa de ser apresentadora de um programa próprio, para adolescentes. Hoje, faz participações no SBT e em eventos a convite.

Para Nicole Bahls, as investidas e propostas são “o resultado de ter um trabalho de biquíni”. “As pessoas julgam. A exposição do corpo ainda não é uma coisa natural”, avalia.

“Uma vez, [a pergunta] foi bem direta: “Qual é o valor?”. Eu já tinha passado por uma situação, tinha ficado chocada e levei na brincadeira: “É um milhão!”. Também digo: “Quanto é que sua mãe está cobrando?’”

Ela conta que a maioria das propostas vem de empresários “que querem aparecer”. “Não vou citar nomes, né, amiga?”

Fonte: Folha de São Paulo