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Portal do Rastro da Serpente em Capão Bonito |
No inicio do
abril de 2014 juntamos um grupo de amigos motoqueiros, equipados com uma BMW
GS-1.200, cinco GS-800 e uma motocicleta Harley Davidsom para viver uma pequena
aventura. Nosso objetivo era fazer curvas e nos divertir nas deliciosas Serras
Catarinenses. Foram 2.300 km. Saímos de São Paulo, numa quarta feira, com
destino a Serra do Rio do Rastro em Santa Catarina. Seguimos por Capão Bonito,
cidade onde tem início o Rastro da Serpente, um conjunto de estradas
secundárias com mais de 800 curvas, formadas pela SP 250, que vai até Apiai e pela
BR-476, que inicia em Adrianópolis chegando em Curitiba. Passamos quase que o
dia inteiro fazendo curvas e andando em zig zag. Tontos e com a cintura pesada
paramos em Joinville.
No dia
seguinte seguimos pela BR 101 até Toledo, na região de Orleans e Lauro Müller,
em busca das curvas do Rei do Rastro. A estrada que percorre a Serra é um
trecho da rodovia SC 438, que sai de Tubarão, próximo ao litoral catarinense,
passando por Orleans, Lauro Müller, Bom Jardim da Serra e vai até São Joaquim.
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Mirante no inicio do Rei do Rastro |
Rodamos por
alguns quilômetros até a estrada que nos levou a serra. A paisagem supera o
esperado, já no inicio pode-se ver as exuberantes formações rochosas que dão
origem os cânions da região. É impossível rodar por muito tempo. A cada curva
uma nova imagem convida para uma foto ou mesmo uma simples contemplação.
Parávamos as motos nos mirantes a beira da estrada. O pessoal não fala muito
apenas observa, quando se viaja em um grupo de motos as paradas não planejas
costumam causar confusão, nesse caso não teve problema, o difícil era voltar a
rodar.
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A pista é muito bem cuidada, tem grouves no asfalto e flores para decorar a paisagem |
Quanto mais
nos aproximávamos do topo da montanha mais as curvas fechavam, algumas chegam a
quase 180 graus. Nas paredes laterais formadas pela rocha, cortada na
construção da estrada, escorre água e às vezes uma pequena cachoeira. Foram
feitas ranhuras no asfalto (grouve), a fim de dar vasão a água, evitando aquaplanagem.
Isso facilita a vida de quem passa por lá. A paisagem ganha aspectos
grandiosos, forma-se um imenso vale com morros cobertos por vegetação, mas em
determinadas partes pode-se ver a rocha exposta. Uma nevoa espessa começava a
cair. Na altitude em que nos encontrávamos podíamos observar o serpentar da
estrada por entre a encosta da montanha, ter passado por li da até arrepio.
Eram muitas curvas, a imagem forma um zig zag, que lembra o Z do Zorro, são
pistas estreitas onde caminhões são obrigados a manobrar para passar, tudo isso
pendurado na encosta. A pista é extensa e vista de determinados pontos chega a lembrar
a imagem da grande muralha da China vista pelo alto.
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A água escorre pela encosta o tempo todo |
A coisa tem
um ar assustador devido à altitude de quase 1500 m, da agressividade das suas
mais de 250 curvas, em apenas 8 Km e do estreito caminho molhado com inclinação
média de 9%. Mas, na verdade não é nada disso. Todos passam por ali com
segurança, bem devagar, seguem em velocidade moderada, não é possível tirar os
olhos da paisagem, alguns trechos exibem belas hortênsias ornamentando o
caminho, é uma sensação de paz sem fim. Segundo pesquisa de um site espanhol
que pergunta, qual é a estrada mais incrível do mundo? o Rio do Rastro é a mais
votada
(Ranking de las 14 carreteras másasombrosas del mundo)
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Aqui é fácil entender o que é pista sinuosa |
Quando
chegamos ao cume a neblina tomava conta, não era possível enxergar mais de 5
metros a frente da moto, eu uso óculos, nessas condições ele embasa sob a
viseira e é necessário abrir o capacete para poder enxergar (o meu é articulado
e permite essa manobra). A coisa fica pior, a lente molha e além da neblina tem
o reflexo das gotas d’água. Saí dali quase que em “braile”, o jeito foi seguir
a linha amarela que divide as pistas na estrada.
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Cinco metros de visibilidade |
Depois de uma
parada para recuperar o folego seguimos para o hotel. Outra surpresa. A essa
altura, muito cansados, já havíamos rodado cerca de 1000 km pelos trechos mais
difíceis do trajeto e estávamos molhados, devido a nevoa e uma garoa fina que
começara a cair. A pousada foi numa fazenda da região transformada em
hospedaria, logo na chegada a proprietária do local, dona Márcia, sugeriu que
estacionássemos nossas motos sob a cobertura da varanda, onde estavam
localizados os quartos, logo vi que estávamos em casa,ela se preocupou com as
motos. Dai pra frente: “
Festa de Babette”. Em uma sala aconchegante, toda em
madeira, com decoração campestre e direito a lareira, ela nos serviu queijos,
salame e vinho enquanto esperávamos suas ajudantes prepararem o jantar. O capelete
foi feito ali mesmo, na hora, sob nossos olhos.
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A massa (capeletes) sendo preparada para o jantar |
A noite
estava fria e úmida, na sala da lareira tudo era festa, de repente chega um
sujeito vestido de preto, todo encolhido, com as roupas molhadas e as mãos
geladas. Era um motoqueiro do Rio Grande do Sul, que também subiu a serra e
havia ouvido falar na cidade que uma turma de moto seguiu para Fazenda Santa
Rita. Ele foi atrás e nos encontrou. A motocicleta é quase um fenômeno
sociológico, ela consegue unir os desiguais, não importa se sua moto é grande
ou pequena, moderna ou antiga, estradeira ou de trilhas, tampouco se o sujeito
é de direita ou de esquerda, na estrada todos são iguais e merecem respeito.
Logo adotamos o gaúcho, que jantou e bebeu conosco até não poder mais. No dia
seguinte seguiu viagem junto com o grupo.
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Da esq. p/ dir: Luiz Mauro, Mário, Juliuo, Alemão (Douglas), o Gaúcho, Biba (Anibal), Maurício e eu fotografando |
Café colonial
- Descobri que nessa viagem que isso é sinônimo de fartura. À noite, enquanto
falávamos dos prazeres da gula, alguns expunham seu apreço por determinados
pratos como strudel, bolo de chocolate, torta de queijo, crostolie e mais uma
porção de iguarias. Dona Márcia, ficou atenta e preparou todos os quitutes
citados a noite, para o café da manhã. Nova comilança. Ficamos quase duas horas
à mesa.
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Em um mirante de estrada, quase chegando a Urubici |
Pé na
estrada, vamos para Urubici conhecer o morro da igreja. Para chegar lá é
preciso retirar um passe na sede do departamento turístico local, não se paga
nada é free, o problema é que a cidade fecha para o almoço e tivemos de esperar
por mais de uma hora até o estabelecimento abrir. Do hotel até a Urubici
pegamos umas das estradas mais gostosas por onde já rodei, foram 70 kms de
curvas de alta, com asfalto impecável, por entre fazendas e pastagem com visual
incrível, O clima estava levemente frio e ensolarado, éramos 7 motos andando
uma atrás da outra proporcionando um balé incrível, privilegiando quem vinha
por último e assistia a essa “valsa” de camarote. Eu era o primeiro da fila,
mesmo assim, torci para não acabar, mas logo chegamos.
O acesso para
o Morro da Igreja é feito pela rodovia SC 439 e depois por uma estrada que leva
ao topo do morro. Quase próximo do fim da estrada há uma placa indicando que a
área é militar, existe uma base da aeronáutica por lá, mas é permitida a
passagem.
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Pedra furada, uma das atrações do Morro da Igreja em Urubici |
O Morro da
Igreja possui 1.822 metros de altitude e é considerado o ponto habitado mais
alto do sul do Brasil. Lá de cima a paisagem é maravilhosa. O tempo estava
ótimo, havia poucas nuvens e parecia que elas estavam se formando ali mesmo,
num fenômeno muito bonito. Naquele momento podia-se ver ao longe. Bem a frente
do morro principal fica a Pedra Furada, uma atração do lugar, o céu estava
limpo e podíamos vê-la perfeitamente. A ocorrência de neblina e ventos é
frequente, de repente tudo mudou, surgiram várias nuvens, o tempo fechou e
prejudicou a visibilidade, o topo do morro ficou acima delas. Um motoqueiro que
conhecemos lá, que viajava com a esposa, falou que desde que casou “prometeu
que levaria a mulher às nuvens e isso estava acontecendo naquele momento”.
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De repente as nuvens tomam conta de tudo |
As nuvens
chegaram e nos fomos. A ideia inicial era descer sentido Palhoça SC,
ganharíamos tempo e a distância percorrida seria menor que a da ida. O pneu
dianteiro da minha moto já estava um tanto desgastado, depois dessa sequencia
de curvas ele chegou ao fim. Como estava previsto passarmos por Curitiba e
tenho amigos lá, pedi para que comprassem um novo para que eu o substituísse.
Comecei a ficar um tanto apreensivo, havíamos pegado chuva no dia anterior e a
possibilidade de ocorrerem novamente era grande, pneu careca e chuva
definitivamente não combinam. Precisávamos rodar. Curitiba estava longe,
dormiríamos em Florianópolis.
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O ponto mais alto da viagem: Morro da Igreja |
No final do
caminho de volta do Morro da Igreja havia uma placa indicando Serra do Corvo
Branco. Alguém sugeriu para seguimos por lá, descendo por ali alcançaríamos o
litoral mais rapidamente e poderíamos pegar a BR 101 e rodar mais rápido, com
segurança. Além é claro de conhecer mais um ponto turístico. E lá fomo nós. Em
um determinado momento o asfalto acaba e em seu lugar surge uma estradinha de
terra, bem compactada, esburacada e cheia de curvas. Todos de BMW seguiram sem
problemas eu com a Harley também segui, mas já imaginava que não seria fácil.
Rodamos por essa estradinha na esperança de que ela fosse acesso a uma maior e
asfaltada, um carro veio no sentido contrário, parou para conversar e nos
encorajou a seguir, avisou que não haveria uma estrada maior, mas que aquela
nos levaria ou topo da serra, onde se encontra o maior corte na rocha já
realizado para construção de uma estrada, uma fenda de 90 metros de altura.
Eles disseram “que ela desceria com asfalto, precário nas curvas e terra no
restante e que não fariam o percurso de carro porque estavam sem combustível”.
E lá fomo nós: Pra cima e avante. Realmente a altura da fenda na rocha
impressiona. Quando chegamos ao topo nos deparamos com duas paredes altíssimas
formadas pela rocha partida, lembrando até cenário de filme futurista, logo
imaginei uma nave em perseguição voando de lado rente a parede, mas uma moto
surgiu lá de baixo em minha direção e me acordou do sonho.
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Na Serra do Corvo Branco tem o maior corte em rocha, para a realização de uma estrada no Brasil. |
Descemos um pouco
para ver o que nos esperava. Mais uma paisagem deslumbrante. É uma espécie de
miniatura do Rio do Rastro, curvas em forma de Z, encravadas na encosta, porém
sem a infraestrutura da outra. O asfalto praticamente não existe, ela é muito
estreita, boa parte é de terra e esburacada, ao menos é o que se via lá de
cima. Um dos membros do grupo desceu um pouco mais para fazer o reconhecimento
e nos relatou que dava pra encarar. Lá fomos nós.
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A estrada que leva à Serra do Corvo Branco estava em péssimas condições |
Confesso que
estava gostando daquele raly, a Harley pulava feito um trator a cada buraco que
eu não conseguia desviar, na descida era preciso tomar cuidado com o freio, meu
pneu dianteiro estava liso e motos estilo custom tem muito peso na parte
traseira, quando acionamos o freio dianteiro ela corre o risco de escorregar
devido a transferência de massa. Fiz o trajeto na ponta dos dedos. Em um
determinado momento a paisagem mudou, já tinha vencido as curvas do início da
serra, agora era a hora dos atoleiros, buracos e pedras para todos os lados.
Existe um princípio de obras na região, alguns desvios foram implantados, mas
deve ter chovido muito no local e toda a estrada se transformou num enorme
lamaçal.
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Curvas acentuadas e asfalto precário |
O pior é que isso combinado a uma topografia irregular com descidas íngremes
e curvas acentuadas fazia o caminho parecer uma pista de esqui e as motos uma prancha
de snow bord, nem as BMW passaram incólumes. A coitada da Harley sambava pra
todos os lados, o terreno forçava para que eu rodasse sobre os sulcos deixados
por tratores, que outrora socorreram alguém por ali, mas a moto é baixa e
acabava afundando na lama. Nas decidas mais bravas pilotava com ela engrenada e
brecava usando a chave que corta a energia elétrica, uma vez que não era
possível colocar o pé na pedaleira para acionar o freio. Teve um momento em que
ela enroscou e eu não consegui segurar, deve pesar mais 250 kg, soltei, mas ela
não caiu completamente ficou encostada no barraquinho formado pelo sulco da
pista.
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A estrada circunda a montanha e termina numa poça de lama |
Como falei
anteriormente, essa coisa de moto deveria render um estudo sociológico mais
aprofundado. Quem viaja sabe que não se deve deixar ninguém pra trás, se saímos
juntos vamos chegar juntos. Em situações críticas como essa o cuidado se
redobra, os mais experientes ficam para trás a fim de socorrer os menos rodados,
se necessário. E assim seguimos uns amparando os outros até chegarmos a um
local seguro (pista seca e lisa). Nesse caso foi um bar, desses bem simples, numa
região de sitiantes. Ele estava fechado, mas a dona nos forneceu água fresca e
até umas fatias de bolo de chocolate. Faltou tocar Highway To Hell do AC/DC. Lá
comemoramos nosso feito em vencer essa barreira e jogamos uma água em nossas
botas, que estavam cheias de barro grudado. Levamos umas 3 horas para vencer
esse trecho. O sol já dava seus últimos suspiros, na região litorânea de Santa
Catarina, demos uma acelerada e conseguimos dormir em Laguna. Foi o sono
merecido dos guerreiros.
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Passar de Harley pelos atoleiros foi uma aventura à parte |
Meu pneu
continuava liso e algumas nuvens despontavam no céu. Depois daquele Rally nosso
planejamento foi para o brejo. Estávamos longe de Curitiba e não daria tempo
para explorar a cidade, alguns queriam ver o Farol de Santa Marta, mas o acesso
é feito por balsa e demoraria muito. Recebi um SMS dizendo que meu pneu já
havia sido adquirido, apenas teria de achar alguém para substitui-lo. Segui
mais tranquilo. Como estávamos cansados do dia anterior aumentamos o número de
paradas na estrada, mas imprimimos uma boa velocidade e logo vencemos os 400k
que nos separava do nosso objetivo. Chegamos a Curitiba.
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Depois de vencer as ladeiras, os buracos e a lama as motos ficaram entupidas de barro |
Seguimos para
Santa Felicidade, em direção a Gauden Bier – uma fábrica de cervejas
artesanais, onde trabalha o pessoal que me ajudou com o pneu. A recepção foi
fantástica. Eles estavam reunidos com um grupo de cervejeiros, fazendo
degustação de uma nova safra de Double Vienna - uma Vienna Lager bem lupulada, com
toque levemente adocicado. Ela ganhou a medalha de ouro no I Concurso realizado
durante o Festival Brasileiro em 2013. Em torno de um balcão cheio de copos, ao
som de Rock n´Roll fomos convidados a relaxar e tomar uma cervejinha gelada.
Depois fomos à fábrica conhecer o processo de produção de cervejas e encher
nossos copos, direto do tanque de fermentação. Almoçamos por ali mesmo, todos
juntos.
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Parada para um gole: Fábrica de cerveja Gauden Bier |
Precisava
encontrar um borracheiro para colocar o pneu novo, em Curitiba aos sábados, a
maioria do comércio fecha depois do almoço, tivemos a informação de que
encontrar alguém habilitado não seria fácil. Encontrei um estabelecimento,
desses que executam diversos serviços automotivos e entrei com a moto. Antes
mesmo de descer um rapaz magro de cabelos longos com uma camiseta do Abutres MC,
o Bily, se aproximou e disse para eu ficar tranquilo, que meu problema seria
resolvido. Eu usava o colete do
meu Moto Clube, o Arcanjos e rapidamente fui identificado
pelo colega Abutre, ele me disse que não estavam funcionando, estavam ali para
fazer algumas obras no local, mas mesmo assim me atenderia. Serviu-me uma
cerveja bem gelada e começamos a falar sobre motos e moto clubes, é claro.
Enquanto isso, na oficina, o filho do Bily trabalhava na minha moto,
rapidamente o pneu estava instalado e pronto pra rodar. Sabe quanto paguei?
Nada. O Bily não cobrou, disse que foi um favor de irmão de estrada. Salve o
Bily!
No dia seguinte montamos em nossas máquinas e subimos para São Paulo pensando em Tiradentes MG, a próxima viagem.
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Acabou. Em Julho tem Tiradentes.
Vejo vocês depois.
Renato Flor
Veja também, nos links a baixo, a viajem que fizemos, em maio de 2013, por parte da costa Oeste dos EUA. Saímos de Los Angeles e fomos até Monterey, descendo pela Highway One até San Diego:
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