Algum sofrimento, uma semana sem balada e sem bebida, dores por todo o corpo, muito treino e a vontade de superar marcas. Esta é a semana que antecede uma prova, para quem se propõe a brincar de corredor de rua. Estou falando da 19º Maratona Pão de Açúcar de Revezamento, realizada no último domingo, 18/9/11, na Região do do Parque do Ibirapuera.
Toda a região transforma-se em um grande circo esportivo, tem espaço para tudo, até mesmo pequenos ladrões se esbaldam com os desavisados que deixam seus carros nas ruas desertas das proximidades, o som dos alarmes é ensurdecedor e frequente na região. Mas vamos falar apenas da festa. As ruas e avenidas são interditadas e à frente do Parque do Ibirapuera são montados o pórtico de largada e a linha de chegada, além de palanque e tendas para as autoridades. Estas não sei ao certo quem são, também não me dei ao trabalho de descobrir. O que sei é que o espaço reservado para o estacionamento das beldades ficava dentro do parque. Era, provavelmente, a área mais segura de São Paulo naquela manhã, devido ao grande número de seguranças. E os carros? Um caso à parte. Eram todos tão sofisticados que alguns nem consegui identificar, seguramente uma boa fatia do PIB nacional estava por ali.
Acordei ás 5h20, fiz um breve café da manhã, como manda o figurino. Temos de nos alimentar bem, uma vez que durante a prova o corpo exige muita energia, na noite anterior me abasteci de carboidrato. Fiz uma massinha, mas não resisti ao vinho. Confesso que bebi. Não deveria, mas tem o lance da harmonização, uma massa sempre pede um vinho e eu obedeci às leis de Bacco. Ninguém é de ferro. Também não consegui dormir cedo, mas tudo bem. Acordei no horário. Ainda estava escuro, da minha casa para o clube onde treino e iria me encontrar com o resto da equipe dava pra ir pela contramão, meu carro era o único na rua.
Chega o professor todo animado, ao estilo pagodeiro, de óculos escuros na cabeça, agitando os corredores. O clima de prova começa tomar conta de todos. Desta vez, poucos do grupo se inscreveram para participar, somos quatro equipes de quatro e uma de oito atletas, que se revezarão nos 42 quilômetros da maratona. O grupo é bem heterogêneo, tem a turma máster, a juvenil e a do meio. Tem o pessoal que treina tudo, todos os dias e os que iniciaram com o grupo de corrida. São donas de casa, funcionários públicos, árbitros, advogados, profissionais liberais, e empresários, mas lá são todos iguais, atletas do grupo de corrida da ADPM – Associação Desportiva da Polícia Militar.
Por volta das 6h encosta o ônibus na porta do clube e todos entram. Seguindo uma das mais novas manias nacional, quase todos levam uma câmera fotográfica a tiracolo, quem não tem uma usa a do celular. Mesmo dentro do ônibus, com espaço e iluminação inadequados os flashes pipocam sem parar. Essas imagens rechearão páginas do Orkut e do Facebook no dia seguinte. O clima de ensaio fotográfico só termina quando um dos treinadores começa distribuir a camiseta com que iremos correr a prova. Um por um recebe seu uniforme e dá-se inicio à preparação. É hora de vestir a camiseta, aplicar o número no peito e ajustar o chip de identificação no tênis. O chip é uma tira plástica com um circuito eletrônico impresso que tem por objetivo registrar o tempo de cada atleta, da largada à linha de chegada.
A chegada ao local da prova sempre precede de um friozinho na barriga e no resto do corpo também, apesar do sol que nos brindou naquele domingo, nessa época do ano pela manhã o clima é bem friozinho. Caminhamos, todos juntos do estacionamento até a área reservada para as equipes de corrida montem suas tendas. É um espaço muito interessante, este ano o local reservado foi o de um estacionamento dentro do parque, enfrente ao antigo DETRAN, o lugar é vulgarmente chamado de autorama, pois, à noite, garotos de programa ficam por ali e seus clientes circulam por entre as ruas para apreciar as ofertas. Esse fato gerou uma questão um tanto jocosa: quem teria ido até lá na noite anterior para armar a tenda?
Mas, voltemos à prova. As equipes usam o espaço para fazer seu marketing, algumas parecem até um lounge de balada sofisticada, com mesas de café da manhã digno de hotel cinco estrelas, têm colchonetes para os atletas se alongarem, bancos e cadeiras confortáveis. Os banheiros químicos, que normalmente são um horror, nesta prova estavam bem melhores, apesar da falta de educação dos usuários eles estavam limpos, tinham papel higiênico e alguns até descarga. Como a prova era de revezamento e os atletas largam em horários diferentes, não havia filas no local.
O horário do inicio da prova se aproximava, estávamos reunidos na tenda a cerca de 600 metros da área de largada. Como em nosso grupo havia equipes de quatro e oito componentes e o local de largada de cada categoria é diferente, os atletas de equipes de quatro correm 10, 5 km e os da de oito 5,25 km, os treinadores se dividiram, enquanto um acompanhava um grupo até uma área dos 10,5km o outro se dirigia para largada dos 5,25km. No percurso eles “puxavam” um aquecimento, próximo ao local de largada os exercícios eram intensificados, numa prova de revezamento não se tem certeza da hora em que você vai largar, é preciso esperar seu parceiro chegar para fazer a troca. Sabemos o tempo médio que nosso colega faz o percurso, mas tudo pode acontecer, por isso é bom se manter bem aquecido.
Chega a hora da minha largada, o sol estava queimando, eu era o terceiro da equipe no revezamento, já havia me cansado com o tal aquecimento, minha última prova foi em julho, as 10 Milhas Brasil, depois dela tive uma contusão na panturrilha, que me tirou dos treinos por mais de 40 dias, foram 10 seções de fisioterapia e muita dor para voltar a correr. Agora era a hora da verdade, os tais gastrocnêmios (músculos que ficam na região posterior da perna, abaixo dos joelhos e recobre outro músculo chamado Sóleo - este conjunto é chamado de Tríceps Sural ou Panturrilha) estariam aptos para o esforço?
No meio de muitos atletas que também esperavam seus companheiros para a troca do revezamento fui me acotovelando até encontrar um bom lugar. Nesse momento é importante visualizar a chegada do seu parceiro, encontrá-lo no meio de vários corredores e pegar com ele uma pulseira, que substitui o antigo bastão nas provas de revezamento. Ao longe, a favor do sol, vinha meu companheiro buscando suas últimas forças para completar o trajeto. Me preparei, recuei um pouco até ele e peguei a pulseira.
Pernas pra quê te quero. Saí com a carga que eu havia programado, durante os treinos eu estava virando 10km, em uma média de quatro minutos e meio por quilômetro. O percurso adentrava o Parque do Ibirapuera, contornava o lago do chafariz e seguia pelo obelisco, em direção à Av. Ruben Berta. Quando alcancei o terceiro quilômetro me dei conta que subestimei o trajeto, não havia planejado a subida para o viaduto Indianópolis. E, como tudo que sobe desce, também não planejei a volta. O percurso ia até a altura do clube Monte Líbano e retornava pela mesma pista em direção ao parque. Foi um sufoco, os dias de treino perdido fizeram falta, acho que até o vinho da noite anterior pesou nas minhas pernas. A panturrilha lesada vai bem obrigada, mas a outra começou a doer. Nada que não fosse suportável, afinal a idéia é essa: superação.
E vamos nós. No caminho sou ultrapassado por atletas profissionais, amadores, jovens, senhoras, senhores, velhos, mas também passei muita gente, o que mais anima é quando você passa por um garotão sarado e acabado, todo esbaforido, alguém bem mais novo que você que poderia facilmente estar a sua frente. Nesse momento parece que o corpo libera algum aditivo, que nos impulsiona e a perna ganha força e “roda” mais rápido. Nos postos de hidratação já não usava a água para beber, enfiava o dedo no copinho e derramava o conteúdo sobre minha a cabeça, queria ver se refrescava um pouco, pois o calor aliado ao cansaço estava triste.
Porém, eu ainda não havia sido ultrapassado por ninguém do meu grupo e já havia feito mais de metade da prova, o que significava que entre as equipes de quatro da ADPM a minha era a primeira. Um dos corredores mais rápidos do grupo estava na minha equipe e foi o primeiro a largar, entregando a pulseira com uma boa vantagem sobre os demais. Cabia ao resto de nós, todos do máster, segurar a peteca e não perder muito espaço. Esse lance da competitividade, na hora do vamos ver, faz a diferença, é uma espécie de cobrança interna, algo que te impulsiona, não permite que você desista, faz achar força onde não tem.
Já dava para avistar o obelisco, mas parecia não chegar nunca, o pessoal que trabalha para organização da prova fica na pista orientando o caminho, em frente ao antigo DETRAN o trajeto seguiu em direção à 23 de Maio, fiquei preocupado, pensei: o cara que projetou isso aqui não conhece o caminho, ele vai sair do Parque! Parecia praga, a linha de chegada não chegava nunca e eu corria para o lado oposto, aliás, não só eu, mas todos. Próximo ao viaduto Tutóia avistava-se uma ambulância, no meio da 23 de Maio, ela não estava lá para me trazer de volta, estava estrategicamente estacionada no local do retorno. Nesse ponto passamos para pista sentido Sul e retornamos em direção ao Parque, depois de mais algumas curvas, subidas e ajustes cheguei a Avenida Pedro Álvares Cabral, já podia ver o pórtico de chegada, o palanque das autoridades e o local de troca do revezamento. Mesmo esbaforido e acabado pude ver meu parceiro, ao longe, com a mão estendida esperando a pulseira, arranquei-a do pulso estendi a mão e entreguei a ele. O cara saiu feito louco, parecia um papa-léguas (será que esses bichos correm mesmo ou somos influenciados pelo desenho animado?). Lá se foi ele.
Dever cumprido. Deixei a prova na colocação que peguei, não baixei o meu tempo pior, até aumentei. Mas, tem a desculpa da volta de contusão. Isso pouco importa. O desempenho é um detalhe dentro do todo que envolve uma prova de corrida de rua. Depois que o atleta termina seu percurso a organização oferece uma bebida isotônica. Peguei a minha e junto com um companheiro de outro grupo nos encaminhamos para tenda da ADPM. No caminho o assunto são as subidas e desvios do trajeto, que confundiram todos os participantes, falamos também do tempo de conclusão da prova. Todo atleta de corrida de rua carrega consigo um relógio com cronometro ou um frequencímetro, no caso dos mais abastados. É uma espécie de equipamento básico. É com ele que medimos nosso rendimento e evolução, depois de um tempo você se pega cronometrando quanto tempo levou para ir de sua casa até a padaria. A coisa pega. Já no local somos cumprimentados pelos colegas que largaram antes e já haviam chegado e pelos que ainda não haviam saído. O grande mérito nesses casos é completar a prova.
Dali fomos até a beira da pista para acompanhar e incentivar os corredores que passavam. Nos posicionamos a cerca de 500m da linha de chegada, no meio de uma leve subida, antes da reta final. Muitos dos corredores que passavam por ali estavam muito cansados e desanimados, nós gritávamos para eles e dizíamos que faltava pouco, menos que na realidade faltava. Isso ajuda, depois de quase uma hora correndo (alguns muito mais) saber que está chegando é uma dádiva. Os atletas que passavam, retornando para área das equipes, juntaram-se a nós e grupo de incentivo aumentou. Pessoas que terminariam a prova andando voltaram a correr depois de passar por nós.
Quase todas as pessoas do nosso grupo já haviam completado sua parte na prova, faltava apenas uma, a Fran. Era a primeira prova de 10Km que ela realizava. Até então havia competido apenas em provas de 5Km. Desta vez, para completar um grupo ela concordou em participar da prova e tentar dobrar a distância que estava acostumada a correr. Não bastasse o esforço excessivo que deve ter feito, ainda havia problemas pessoais que podiam atrapalhá-la naquele momento. O tempo foi passando e o grupo começou a apresentar ares de preocupação, isso era claro na face de alguns. Todos esticavam o olhar no sentido Rubem Berta com o objetivo de avistar nossa companheira. Já passava das 11h e nada, o sol queimava, já não tínhamos tanto ânimo para incentivar os corredores desmotivados. De repente alguém grita: “lá vem a Fran!”
Comoção geral, tomados talvez pelo inconsciente coletivo invadimos. Rompemos a fita que delimitava a pista e fomos todos correr com ela. A vontade era ajudar, empurrar a Fran até alinha de chegada, mas ela estava firme, do alto de seu 1,6 com uma toalhinha do Corinthians pendurada na cintura corria concentrada no centro do grupo, que gritava “Vai Fran! Alguns metros depois a Fran cruza a linha de chegada e todos nós atrás. Chegamos duas vezes, uma por nós mesmos e outra pela Fran.
Vai Fran!
Show! Parabéns Rentao! Mas, quem foi mesmo que armou a tenda???
ResponderExcluirSergio.
Renato, adorei! Parabéns! Ana Paula (ADPM)
ResponderExcluirNosssaa ame e viajei nessa historia, muitas emocoes tem tudo haver comigo menos a contusão na panturrilha keekekek
ResponderExcluirDuvidas: 1 - Quem era o professor pagodeiro de oculos na cabeca?
2 - Nao consigo identificar que turma eu sou: a turma máster, a juvenil e a do meio. KEKEKEKEK
3 - Amei a ideia de correr com a uma toalhinha do Corinthians ...Boa FRANNNN VOCE E OTIMA